16 de ago. de 2010

Chance

Era uma vez uma menina que acreditava em tudo que contavam. Era o seu pior defeito, mas algumas pessoas diziam que era qualidade ser tão inocente daquela forma.


Ainda pequena, possuía grande imaginação, arrancava folhas dos cadernos de matemática para escrever seus pequenos contos, aprendeu a ler sozinha. Não ligava para Ciências e sua grande paixão era a aula de Português, quando a professora pedia para lerem um livro e comentarem o que tinham entendido. Era uma boa menina, que, contrária a muitas outras, não dava trabalho. Só não tolerava as vitaminas com tudo dentro que a tia fazia. Quando viajava, voltava para casa roxa de diversos machucados ao tentar as diversas proezas no parquinho, deixando assim a família com os cabelos em pé. Aos sete anos, já tinha lido todos os livros de casa, só não Códigos Penais e Estatutos porque a faziam dormir.
Acreditava que, se ficasse sentada na janela no final da tarde, o garoto da televisão, que ela achava bonitinho, iria vir buscá-la para combater as forças do mal, vindas de um gibi, e iria protegê-la de todo o mal que pudesse aparecer. Ela sonhava que ele combatesse os piores vilões, Fome, Seca e Violência. Mas ele nunca aparecera; mesmo assim, ela ainda acreditava que ele iria aparecer. Durante dois longos anos.
Na escola, tinha uma melhor amiga, seu nome era Thaíz. Foi com ela que a menina assistiu Peter Pan pela primeira vez, e descobriu que mundo de sonhos nunca iria ser real. Tinha um melhor amigo, seu nome era Vagner. Vagner tinha uma irmã mais nova chamada Maiara, que usava rabos de cabelo porque não gostava de cortar o cabelo. Vagner foi a primeira paixonite presente da menina, que não ligava muito. Odiava quando era romântica, suas estórias ficavam açucaradas e insossas. Ainda assim, só foram "se confessar" na quarta série, último ano, quando não estavam mais tão juntos, visto que dois garotos haviam entrado no colégio no terceiro ano e ela "esquecera" de seu amigo. A cartinha, com a letra miúda de formiga, ainda está guardada dentro de uma caixinha rosa, com outras lembranças da infância.
Ficava o dia inteiro no colégio porque seus pais trabalhavam muito, entrando às sete e meia e saindo às seis e meia. Algumas vezes seus pais tinham algum problema no meio do caminho, e ela ficava sozinha, observando o sol se pôr do alto da magricela goiabeira perto da sala do infantil, próxima à casinha do recreio, pensando. Poucas pessoas sabiam seu hobby predileto, e, quando ela ouvia seu nome, descia em disparada, algumas vezes caindo e ralando o cotovelo fino.
Ciumenta e manhosa, era o alvo predileto dos membros da família, que não perdiam uma oportunidade de cutucá-la. Seus primos mais presentes moravam longe, mas, sempre que vinham ao seu Estado, arrancavam-lhe lágrimas de ódio, assim como suas tias, tios e outros primos. Era constante que ela se trancasse no quarto e não saísse por várias horas. Quando abriam a porta, lá estava ela, arrancando as folhas de cadernos ou simplismente sentada, pensando. Naquele ano que completou 9, ganhou de presente quatro cadernos de duzentas folhas, do Mickey, para que não usasse mais os estudos da escola. Em três dias, ela voltava à eles.
Com o passar dos anos, ela realmente percebeu que nada era como sonhava. O tal artista nunca aparecera, nunca iria conhecer seus ídolos, porque já haviam se separado; Levava tudo ao pé da letra e diminuíra bastante suas manias. Já não era mais tão manhosa, chorona e ciumenta. Seu pai dizia que estava amadurecendo. Ela não queria que fosse isso. Crescer significava estar apta a enfrentar a vida, com todos os seus problemas.
Com a mudança de colégio, novos colegas e novas matérias, ela fez novas amizades e inimigos, algo que, até então, ela só presenciara com os meninos de sua classe, por ser a única garota presente na sala de aula - pelo menos não quebraria mais seus lápis. Mas suas inimigas de agora eram mesmo más e, pela primeira vez na vida, ela foi para a diretoria por briga no colégio. Depois daquele dia, prometeu a si mesma que nunca mais iria levantar a mão para alguém, nem que a pessoa merecesse muito.
Mais alguns anos passaram e, quando finalmente sua amizade ficou sólida a ponto de ter uma turma unida em todos os aspectos, recebera a notícia de que teria que se mudar, assim como mais duas amigas. Lutou muito para não ir na tarde de despedida, assim como todos os amigos e, no final, apenas quatro, de dez, compareceram. Ela se sente muito mal por não ter se despedido decentemente de quem mostrara a ela que era possível que sonhos e realidade andassem juntos.

Aguentar a perda de seus grandes amigos para a distância cada vez mais evidente e encarar uma nova realidade em menos de uma semana foi um choque. Durante dias, ela passou a dormir na casa da tia, porque era mais próximo de seu novo colégio. Durante todos esses dias, ela esperava que todos dormissem para poder se trancar no banheiro e chorar. A vida não era mais uma diversão. Estava longe de seus melhores amigos e, em um certo dia, descobrira que sua professora predileta de primário havia sofrido um acidente e não resistido. No colégio, só era boa em História, Geografia e Inglês, porque todo o conteúdo da nova escola já havia estudado; não tinha amigos, voltara a ser o "bicho do mato" de antes, sentada em um canto, um livro debaixo do braço, arrancando folhas silenciosamente. Ainda assim, mantinha o sorriso e se repetia que tudo ia ficar bem.
No outro ano, outro colégio, matérias, desesperos. Era uma escola muito mais forte do que todas que já havia estudado e estava em pânico. Suas notas caíam cada vez mais, e foi assim que teve o seu primeiro lapso emocional. Entrou em uma pequena depressão, só aliviada quando sua mãe deu-lhe um cd que, mesmo que não tivesse um grande motivo, continha músicas que fez com que ela percebesse que não estava só, naquele mundo. Nessa época também ela se apaixonou por um garoto de Santa Catarina. No início, era apenas amizade, com trocas de cartas, adesivos, Harry Potter e rock n' roll. Com o passar do tempo, os papos começaram a ficar cada vez mais românticos, incluindo até a palavra "amor". Depois de passar seis anos evitando aquela sensação, ela finalmente havia se entregado. Nunca chegaram a se conhecer pessoalmente, pouco falavam ao telefone. Um dia, seus pais mexeram no seu e-mail e acabaram com aquele namoro, exigindo que eles se afastassem imediatamente. E foi o que aconteceu nos anos que se seguiram. No fundo, ela sempre sentiu falta de ter um grande amigo, alguém com quem pudesse contar às duas horas da madrugada, mesmo que morasse em outro lugar - agora não o tinha mais.

Seus três anos seguintes foram como o de toda adolescente da época. Tinha seus altos e baixos, inclusive, os cadernos de Matemática continuavam intactos. Ela aprendeu que digitalizar seus trabalhos evitavam certos problemas como derrubar suco na melhor parte de uma comédia. Foi quando descobriu que tinha muitas idéias mas não sabia como colocá-las em prática, principalmente porque não sabia como.
No terceiro ano, se aproximou de um garoto esquisito, viciado em cafeína, jogos e de humor ácido, porque ele estava sozinho. Como ela sempre fora uma menina muito só durante toda a sua infância e pré adolescência, virou sua amiga. Não bastou muito tempo para que aprendessem a fugir das aulas de Química, no shopping, na Saraiva Mega Store, ouvindo Legiões Urbanas e Titãs da vida. Não chegou a ser um relacionamento, visto que ela era sua "reserva".
Por pressão, a garota entrou na faculdade em um curso que apareceu em sua mente de pára quedas, assim como um namorado. Durante três anos, ela se forçou a aprender a gostar do que estava fazendo e em alguns momentos, chegou a acreditar que aquela era a sua "praia". Congressos, feiras, término de relacionamento e situações constragedoras depois, ela terminou o que havia começado, algo raro em sua vida.

Ainda assim, ela ainda sente falta de alguém que a complete. Pode ser um amigo, um namorado, um conhecido - mas que a compreenda do jeito que é e goste dela do jeito que ela é. Seus sonhos ficaram presos na caixa de madeira rosa, dentro do armário, e procuram qualquer buraquinho para poder sair, respirar e dizer à sua dona que a vida não é somente "pé no chão". Pode-se e deve-se sonhar, sem perder a noção da realidade; e que não há somente um ou outro nesse mundo, nessa vida, nessa encarnação. Seus contos inacabados concordam em número e grau, debaixo de pacotinhos de sal com iniciais, rituais da amizade da sétima série. As cartas pedem continuações de um amor que deixou de acontecer - ou talvez nunca tenha acontecido de fato. A pele pede pelo amor de Deus para ela parar de reter as lágrimas e chorar sempre que precisar. Seus dedos pedem que deixe de ser tão dura e se entregue mais aos seus escritos. Se não pode aproveitar a vida lá fora, descreva como gostaria que fosse. Seu coração pede que seja menos rigorosa com amizades. Que aprenda a aceitar as pessoas que se aproximam, que dê uma chance à elas. Não se pode confiar em qualquer pessoa que aparece, mas não pode erguer essa muralha do conhecimento exagerado, porque só atrapalha. Ninguém poderá ajudá-la se continuar sendo patética, bobona, bipolar. Ninguém é atraído por um simples sorriso; e sim pelo interior. Não deixar que os outros a conheçam inteiramente é um defeito. Que precisa ser consertado antes de cometer algum erro grave.
Dê uma chance ao seu coração, para conhecer outra pessoa que preencha seu vazio. Dê uma chance à sua imaginação, para que ela a leve para onde seus sonhos antigamente tinham base. Dê uma chance aos que estão perto, para criar novas e duradouras amizades. Dê uma chance a você, para que se torne uma pessoa melhor.

1 comentários:

Roses disse...

Debbie, quase me fez chorar com o post, muito lindo. Espero que você realmente consiga equilibrar o lado sério e o lado imaginativo da sua vida